O procedimento do juizado especial cível pelo viés do acesso à justiça

Primeiramente cumpre esclarecer o caminho trilhado pelo atual modelo do Juizado Especial Cível. Os atuais Juizados Especiais Cíveis, introduzidos pela Lei 9.099/1995, adotam modelo aperfeiçoado dos anteriores “Juizados de Pequenas Causas” criados pela Lei 7.244/1984, cuja exposição de motivos do respectivo anteprojeto já revelava a justificativa do instituto, calcada na “falta de acesso à Justiça para solução de conflitos de pequena monta”, ensejando uma litigiosidade que “somada a outros sentimentos de injustiça individual e social, poderá irromper em forma de atos violentos e incontroláveis de justiça de mão própria”.

Há de ser investigado, seja como for, se o excessivo alargamento das vias de acesso à justiça pode gerar efeito colateral socialmente indesejável, qual seja o estímulo exacerbado da litigância.[1] Há, ainda no campo sociológico, interessante questão da qual a pesquisa também se ocupará, bem sintetizada pelo pensamento de Rodolfo de Camargo Mancuso:

A exacerbada conflituosidade e a acirrada competitividade que campeiam na sociedade contemporânea não se aplacam nem arrefecem quando os interesses contrariados ou insatisfeitos acabam afluindo à Justiça estatal em forma de uma lide, caracterizada, na concepção carneluttiana, como o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida. Ao contrário, a judicialização massiva insufla a contenciosidade ao interno da coletividade e esgarça as relações interpessoais, na medida em que a formalização da controvérsia perante o Estado-juiz acirra os ânimos, pela conjugação de vários fatores: exposição pública do conflito; implícita e recíproca admissão, entre os interessados, de não terem conseguido (ou não terem tentado) resolver a controvérsia por si mesmos ou através de meios alternativos; angústia e stress ante o processos que se inicia e não se sabe quando terminará; insegurança acarretada pela imprevisibilidade do desfecho.[2]

A pesquisa analisará o modelo procedimental dos Juizados Especiais Cíveis, a fim de aferir sua suficiência e adequação à finalidade institucional de tais órgãos. Tal análise englobará as formas de atendimento inicial do cidadão que procura tal serviço estatal, como também o rito seguido pelas demandas propostas, até sua resolução pelo Poder Judiciário.

Das diversas inovações (e polêmicas) trazidas ao ordenamento jurídico pelos Juizados Especiais de Pequenas Causas com a promulgação de sua lei em sete de novembro de 1984 nota-se seu objetivo de não apenas garantir a tutela jurisdicional de forma mais ágil e barata como a própria resolução do conflito através de práticas alternativas no espírito do “novo enfoque de acesso à justiça” .

Como sucessora desta legislação está a vigente Lei 9.099/95 que dispõe sobre os Juizados especiais cíveis e os criminais, seu objetivo foi de alargar a influência desse modelo no ordenamento jurídico, além de introduzir outras competências.

  1. A.   COMPETÊNCIA E LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA

Como aponta Chimenti (2009, p. 27-28) a lei 7.244/84, que precedeu a atual 9.099/95, tinha como “núcleo de identificação” do sistema as pequenas causas, que eram definidas segundo quatro requisitos, que deveriam ser observados cumulativamente:

[Estavam inclusas no rol as causas que] a) versassem sobre direito patrimonial; b) fossem de valor inferior a vinte salários mínimos à data do ajuizamento; c) tivessem por objeto alguma das hipóteses taxativamente previstas em seu texto (condenação em dinheiro, à entrega de coisa certa móvel, ao cumprimento de obrigação de fazer  ̶   a cargo do fabricante ou fornecedor de bens e serviços); ou d) visassem à desconstituição ou à declaração de nulidade de contrato relativo a coisas móveis e semoventes.

Com o intuito de alargar a competência desse sistema o legislador abandonou a nomenclatura de “pequenas causas” para “causas cíveis de menor complexidade” adotando critérios para identifica-las, quais sejam em razão exclusivamente do valor da causa (ratione valoris), exclusivamente da matéria (ratione materiae) ou a fusão de tais critérios. (CHIMENTI, 2009, p.28).

Na lei especial dos JEC, a previsão do primeiro critério está no art. 3º inciso I, in verbis, “as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo”[3], o segundo critério encontra-se no inciso II e III: “as enumeradas no  art. 275, inciso II do CPC” e “ação de despejo para uso próprio” e a fusão dos dois é prevista no inciso IV: “as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo”.  

Neste ponto houve dificuldade da doutrina e da jurisprudência a chegar em um consenso na definição de quais seriam essas causas, Ricardo Cunha Chimenti citando Benedito Calheiros Bonfim assevera, e concorda que, a alteração pós-9.099/95 do referido art. 275 inciso II e alíneas do CPC/73 não deve ser considerada baseando-se no princípio contido na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro em seu art. 2º §2º: “A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior”. Assim, para o autor supracitado devem ser levadas em consideração as alíneas previstas antes de sancionada a Lei 9.245/95 que as alterou.

  • PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

Quando da impossibilidade das partes comporem pacificamente, inicia-se a fase de instrução e julgamento das causas não superiores a sua alçada de 40 salários mínimos, e se as partes não optaram pelo juízo arbitral.

De início tal ocorrência pode surgir da ausência do réu na sessão de conciliação e da falta de contestação apresentada por advogado[4], tornando-se assim revel, assim o juiz pode aplicar a confissão aos fatos alegados pelo autor[5].

Evidenciando celeridade, há a possibilidade da conversão da audiência de conciliação em audiência de instrução e julgamento, se todas as partes estiverem cientes de tal possibilidade, se do contrário as partes já ficam intimadas da data de nova audiência, que deverá ocorrer com o intervalo mínimo de dez dias da primeira audiência.[6]

Cabe ressaltar ainda que, no âmbito dos juizados, a designação de audiência precedida pelo pedido é realizada pela Secretaria, dessa forma, a petição inicial não necessita do despacho inicial do juiz para iniciar o processo. Se o cartório verificar a existência de falhas do pedido que irá comprometer o andamento da causa pode remeter ao juiz togado que indeferirá de plano ou determinará sua emenda.[7]

Nas causas de até 20 salários mínimos o autor sem assistência do advogado pode realizar o pedido de forma  oral ou escrita, no primeiro caso é necessário que o cartório reduza a termo, devendo perfazer os requisitos do art. 14, dispensando assim os requisitos do art. 282 do Código de Processo Civil. Ainda dispensa-se do pedido inicial o requerimento de produção de provas, que serão apresentadas durante a própria audiência, e ainda, caso entenda necessário, o juiz pode, de ofício, determinar a produção de provas.[8]

Quanto à resposta do réu, prevista no art. 30 da referida lei, é naturalmente é oferecida através da contestação que pode ser oral e sem representação nas causas com valor menor que 20 salários mínimos. A defesa não tem prazo e deve ser apresentada na audiência única com possibilidade de levantar a incompetência do juizado, sendo que a suspeição ou impedimento do juiz deve ser suscitado exteriormente à contestação e obrigatoriamente na forma escrita.[9]

Como visto anteriormente, ao réu é vetada a possibilidade de reconvenção como expressa o art. 31 da lei dos Juizados: “Não se admitirá a reconvenção. É lícito ao réu, na contestação, formular pedido em seu favor, nos limites do art. 3º desta Lei, desde que fundado nos mesmos fatos que constituem objeto da controvérsia.” O pedido a seu favor que o artigo menciona é o contraposto, que deve ser  pautado pela competência do juizado (o art. 3º).

Sua diferença entre a reconvenção consiste na limitação aos fatos já alegados pelo autor em sua fase postulatória e na facilidade de tramitação, enquanto a reconvenção corre em separado no processo comum, podendo ter atos probatórios próprios o pedido contraposto ocorre na mesma peça processual da defesa do réu, que seja, a contestação, compondo assim o processo mais intimamente e contribuindo para sua celeridade. No caso prático é fácil a visualização do seu uso, como por exemplo em batidas entre carros nos acidentes de trânsito.

Assim, com o pedido do réu e a defesa do autor apresentadas, componentes da audiência única, é possível que ocorra incidentes, que em outros casos, como no processo ordinário, ensejaria pedido em petição intermediária e prazo do juiz da causa para decidi-lo.

Nesse sentido, a existência de referidos incidentes neste âmbito é inócua devido ao engessamento (benéfico, por assim dizer) aqui observado, pois, se ocorrer situação que necessite de incidente processual, esta desde logo pode ser manifestado pela parte e o juiz da causa então decidir pelo seu saneamento, nota-se aqui, ainda conhecimento da parte contrária, pois presente em audiência, assim, havendo contraditório e ampla defesa.

Diferente o é nos Juizados, já que todos os atos ocorrem em apenas uma audiência, natural parece que todos os atos decisórios, de qualquer tipo que ele seja possa ser resolvido naquele mesmo instante assim desde constatado, o julgador odecidirá de plano, como prevê o art. 29 da Lei dos Juizados.

Chimenti aponta alguns exemplos: “as preliminares de litispendência, de coisa julgada ou ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impugnação do valor da causa, suficiência da representação dos prepostos da pessoa jurídica”, dentre outros.

Nos quesitos apresentados acima, nota-se que há diversos momentos no processo, mais do que no procedimento ordinário, em que o julgador deve interferir intimamente no processo devido às peculiaridades do Sistema Especial. A liberdade do juiz no processo especial é característica dos sistemas de pequenas causas por tudo mundo, no sentido que, a vontade e a maneira como juiz se porta tanto para a resolução do conflito como para o julgamento da ação tem relacionamento mais sensível para o fim do processo. Entretanto, tal liberdade pode se demonstrar um óbice, que dependerá da vontade do juiz e de seu comportamento, se litigioso ou compositivo.

A lei especial prescreve, poderes específicos a este sujeito com o intuito de dotá-lo de maior controle, como em seu art. 5º ao julgador, é dada a liberdade na produção, análise e valoração das provas[10], complementado pelos arts. 32 e 33 que conferem grande poder ao prever a exclusão de provas que considere excessivas, impertinentes e protelatórias.

Outro ponto que o microssistema dá liberdade ao juiz é no julgamento por equidade, que consiste na reiteração da previsão legal do art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, in verbis: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.” E a adição em seu art. 6º do seguinte: “O Juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime”.

Neste sentido, Antônio Cláudio da Costa Machado citado por Ricardo Cunha Chimenti define: “A equidade é a permissão dada ao juiz para fazer justiça sem sujeitar-se de forma absoluta à vontade contida na regra legal; é liberdade para dar a cada um o que é seu sem subordinar-se rigorosamente ao direito escrito”[11]. Ressalvado ainda por Chimenti que tal poder dado ao juiz não deve dispensar a fundamentação pela qual o julgador se afasta do direito escrito, para que não se torne uma decisão mais arbitrária que justa.[12]

Em consonância com o ideário acima mencionado, o Ministro Luiz Fux aponta outras previsões nas leis dos Juizados que comportam o papel ativo do magistrado na causa[13]: “O juiz alertará as partes da conveniência de patrocínio por advogado quando a causa o recomendar”;[14] “A revelia produzirá seus efeitos salvo se o contrário resultar da convicção do juiz”;[15] “Aberta a audiência, o juiz alertará as partes dos riscoso do litígio e das vantagens de conciliação”[16], dentre outros.

  • C.   RECURSOS

Feliz foi o legislador na lei especial aqui estudada que previu a possibilidade da parte sucumbente o direito de não se conformar com a decisão do juiz togado e ingressar com recurso para órgão colegiado específico, a Turma Recursal, formada por três juízes de primeiro grau. Em nome ainda do princípio da celeridade, a existência de tal “instância” traz o argumento constitucional do duplo grau de jurisdição para o sistema de juizados especiais cíveis, pois se não houvesse a previsão de órgão próprio de julgamento de recursos, estes seriam examinados pelos Tribunais de Justiça dos Estados, sabidamente atolados com o grande números de recursos da justiça comum.[17]

Não constitui demasia rememorar que das sentenças que homologam a conciliação ou o lado arbitral não cabe recurso, por logicamente provir do acordo das partes em determinado sentido, cabendo apenas no caso da decisão final do juiz no processo. Assim, os recursos autorizados expressamente pela lei 9.099 são o recurso inominado e os embargos de declaração, previsão legal art. 41 e art. 48 respectivamente. Sendo que a interposição dos embargos de declaração suspendem o prazo unificado de dez dias a partir da ciência da sentença para a oposição do recurso. A via recursal relativiza outros preceitos especiais atinentes aos juizados, no sentido que a admissão do recurso só ocorrerá se feita por via escrita com representação da parte por advogado. [18]

Quanto a inexistência do agravo de instrumento, aponta Salvador:

Diante da rapidez e informalidade dos Juizados, com adoção plena da concentração total dos atos processuais na audiência, sentiu-se a necessidade de ser adotado o princípio da irrecorribilidade das decisões interlocutórias. No entanto, como essas decisões podem existir e gerar qualquer inconformismo ou alegação de prejuízo para a parte, aceita-se que inexiste para elas a preclusão e que poderão ser atacadas no recurso à Turma Recursal.[19] [grifo nosso].

Neste sentido, como apontado por Fux, “recusou-se o legislador à sedução da técnica da abolição dos meios de impugnação” que decorre segundo fenômeno nacional preconizado pelo ministro, da abolição de recursos.

Outro “obstáculo” oposto pelo legislador aquele que pretende ingressar com recurso encontra-se a necessidade do preparo, acarretando assim custas, ausentes na “instância inicial”. Todo o procedimento recursal é realizado pela secretaria, desde sua interposição ao preparo, cuja custas dependerá da lei de organização judiciária do respectivo Estado.

Da conclusão, o juiz da causa admite o recurso e o remete à Turma Recursal. Esta tem qualidade de órgão colegiado de primeiro grau de jurisdição, formada por três membros. Neste caso, de suas decisões não cabe recurso, de um lado por não haver órgão competente para tanto como por não compactuar com a celeridade tão pregada neste sistema, de qualquer forma excetuado os embargos de declaração interpostos até 5 dias do acórdão ou do recurso extraordinário, previsto na Constituição Federal, ainda assim desde que preenchido seus requisitos. A Súmula 203 do Superior Tribunal de Justiça reconhece ainda o não cabimento de Recurso Especial a sua corte: “Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais”.

Ainda assim, o Colendo Superior Tribunal de Justiça por meio de sua resolução: nº. 12/2009 prevê a interposição de reclamações, que têm o objetivo de dirimir as divergências frontais entre acórdãos da Turma Recursal e da jurisprudência pacificada em recurso repetitivo da Corte, ou que violem suas súmulas ou for “teratológica”.

  • D.   EXECUÇÃO

Dentre todos as outras alterações realizadas pela lei do sistema especial mais recente, a possibilidade do título executivo judicial ou extrajudicial ser executado em sede dos Juizados foi a melhor acolhida pelos estudiosos das pequenas causas e pelos profissionais de Direito.

No processo de conhecimento o autor busca o acolhimento de sua pretensão por via de prestação jurisdicional, naturalmente cogente, por outro lado o processo de execução visa a exata efetivação da sanção decorrente do direito já reconhecido na fase anterior (se título executivo judicial). E ainda, segundo locução dos eminentes Cintra, Dinamarco e Grinover “na fase executiva põe-se fim ao conflito interindividual, nem sempre inteiramente eliminado mediante o de conhecimento (e às vezes sequer sujeito a esse: como a execução de título extrajudicial”.[20]

Esta fase não tem grandes diferenças em relação ao processo de conhecimento, no sentido que é competente para suas causas e títulos executivos extrajudiciais baseando-se naqueles mesmos critérios como a ausência de custas, a adequação ao critério ratione valoris fixado em 40 salários mínimos e a quem pode ser executado, excluindo assim, por exemplo, a moção de processo de execução neste âmbito contra insolvente, visto sua complexidade, algo que não é  compatível neste meio.[21]

De qualquer forma tal momento da prestação jurisdicional não é totalmente novo, a ponto que claramente o legislador assevera na lei estudada que este processo seguirá aquilo estabelecido no Código de Processo Civil no que couber[22]. Os pontos mais relevantes, segundo diversos autores, deste novo processo de execução são: a desnecessidade de publicação de editais em jornais quando a alienação for de bens de pequeno valor[23], a intimação imediata às partes do processo de execução na audiência única de instrução e julgamento[24], a regra em que os bens penhorados do executado sejam apontados pelo credor[25], seguindo dessa forma a intimação vale como aviso da constrição realizada no bem e ainda o chamamento à audiência de conciliação.[26]

Neste contexto, um ponto controverso é a existência de multas coercitivas que ultrapassem o critério ratione valoris estabelecido em sede dos Juizados Especiais.Em reclamação ao Superior Tribunal de Justiça, a ministra Nancy Andrighi[27] se pronunciou sobre tal assunto:

PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. JUIZADO ESPECIAL.COMPETÊNCIA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. MULTA COMINATÓRIA.ALÇADA. LEI 9.099/1995. RECURSO PROVIDO.

Assim, seu voto se põe da seguinte forma:

Já a multa cominatória não é estimada segundo critério objetivo correspondente ao conteúdo material da obrigação que busca compelir o devedor a cumprir. Penso que a interpretação sistemática dos dispositivos da Lei 9.099/95 conduz à limitação da competência do Juizado Especial para cominar – e executar – multas coercitivas em valores consentâneos com a alçada respectiva (art. 52, inciso V). Se a obrigação é tida pelo autor, no momento da opção pela via do Juizado Especial, como de “baixa complexidade” a demora em seu cumprimento não deve resultar em valor devido a título de multa superior ao valor da alçada.

A referida ministra leva em consideração que é possível a execução de valores superiores a 40 salários mínimos, apenas nos casos que o valor ultrapassou tal limite devido à correção monetária, juros de mora e ônus de sucumbência. Assim, em sentido contrário, julgado mais recentemente, está determinado MS contra Turma Recursal no Tribunal de Justiça de São Paulo, com relatoria do Desembargador Neves Amorim:

MANDADO DE SEGURANÇA – JUIZADO ESPECIAL CÍVEL – COMPETÊNCIA PROMOÇÃO DA EXECUÇÃO DAS ASTREINTES PERANTE A JUSTIÇA COMUM – VALOR QUE ULTRAPASSOU O LIMITE DE 40 SALÁRIOS MÍNIMOS – NÃO CABIMENTO – COMPETÊNCIA QUE SE ESTABELECE NO MOMENTO DA PROPOSITURA DA AÇÃO – PRINCÍPIO DO PERPETUATIO JURISDICTIONIS – DEMANDA CUJO VALOR DA CAUSA ERA INFERIOR A 40 SALÁRIOS MÍNIMOS – DESCUMPRIMENTO DA RÉ QUE ACARRETOU A EXTRAPOLAÇÃO DO VALOR – AUSÊNCIA DE MODIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIA. SEGURANÇA CONCEDIDA.

Indubitável é que, neste caso o desembargador vai em sentido totalmente contrário ao entendimento da Colenda Corte como apontado em seu voto:

Deste modo, embora o valor apurado a título de multa tenha ultrapassado o limite de 40 salários mínimos, tal montante não fez parte do pedido inicial, eis que consiste em sanção ao descumprimento da obrigação no prazo assinalado, não alterando a competência que é absoluta.

Não se pode perder de vista o princípio da perpetuatio jurisdictionis que prevê que a competência se estabelece no momento da propositura da ação e, no caso, a demanda intentada no Juizado Especial Cível não tinha valor da causa superior a 40 salários mínimos.

Neste diapasão, entende-se que o desacordo supracitado dá insegurança jurídica ao jurisdicionado, quanto ao mérito da questão, na existência de entendimento não pacificado se o meio coercitivo da cominação de multas astreintes tem eficácia completa neste âmbito.

CONCLUSÃO

No sistema ora estudado, a conciliação é responsável pela grande maioria da resolução dos conflitos, sendo que a jurisdição simplificada em seu âmbito preza pela celeridade, para tentar oferecer a prestação jurisdicional o mais rápido possível ao cidadão, pois a lide demasiada estendida devido à morosidade da jurisdição acaba por surtir o efeito contrário em relação àquilo que o processo tem por objetivo, que seja, resolver o conflito. Este que, se protraído no tempo, pode trazer às partes litigantes mais malefícios, e assim, a resolução de mérito ao final é servida como prato frio.

Pois bem, e é exatamente por esse caminho que acabou por cambalear o Juizado, já que deixa a desejar em estrutura e após sofrer péssimas adições legislativas, levaram-no a ser apenas mais um órgão judiciário moroso, com sua competência inflada, sendo menos célere em sua função jurisdicional que a própria Justiça Comum, e que na prática, se propôs a ajudar, mas acabou servindo como um ponto de fuga para os litigantes repetitivos, na teoria de Galanter, os quais se aproveitam da facilidade de administrar as pequenas lides neste âmbito contra exatamente o povo leigo, e que por fim desfiguraram toda a aspiração desse, agora, quase decrépito sistema.

Nesse sentido, da decadência acentuada dos juizados, de fato, foi percebida completamente e sem dúvidas pela pesquisa bibliográfica realizada, que acabou por aniquilar a pesquisa de campo, visto que o objetivo desta era analisar exatamente o que a literatura já deu por certo, a total e incessante decomposição dos Juizados Especiais Cíveis.

Por outro lado, aqui se percebe que, aquilo em que esse decadente sistema prosperou, foi destacado em diversas alternativas, que agora configuram regra. Aqui se fala da recentíssima e acertada produção legislativa, especialmente nos últimos cinco anos. Podemos citar, a edição e promulgação de pelo menos três normas jurídicas, que guardam total intimidade com esse trabalho e que amadureceram durante. Quais sejam os já citados, Resolução 125 de 2010 do Conselho Nacional, ainda compatível e complementar com a promulgação da Lei da Mediação (Lei 13.140 de 2015) e Novo Código de Processo Civil, Lei 13.105 de 2015 e que, como já dito, centraliza no sistema comum a resolução pacífica de conflitos.

Neste sentido, percebe-se a atuação de toda a comunidade jurídica no combate à crise do judiciário, configurada hoje, por exemplo, pelo abarrotamento dos tribunais estaduais e dos tribunais superiores. O abrir de olhos, enfim, para a resolução pacífica de conflitos pré-processual que contribui com a pacificação, ao passo que, a jurisdição comum é morosa, dificultosa, composta de jargões latinos e por isso, distante do cidadão.

Assim como foi relevante a introdução do sistema ora estudado, trata-se atualmente de examinar todo o novo supra mencionado movimento, que pode aqui ser chamado, como a nova tentativa para aquilo que os Juizados Especiais Cíveis tentaram e não conseguiram, e utilizando-se de seus mesmo ingredientes, que é garantir o acesso à ordem jurídica justa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1]  “Não há dúvida que a preocupação com a questão do acesso à justiça não deve levar ao estímulo da litigância. Descabe confundir acesso à justiça com facilidade de litigar. A propositura de uma ação tem profundas implicações de ordem pessoal e econômica, devendo constituir uma opção feita a partir de um processo de reflexão, em que sejam considerados, de modo racional, os prós e contras que podem advir da instauração do processo judicial” (Marinoni, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Ed. RT, 2010. p. 180).

[2] Acesso à justiça: condicionantes legítima e ilegítimas. São Paulo: RT, 2011. p. 117-118.

[3] Neste caso, como definido pelo Enunciado 50 do FONAJE (Fórum Nacional dos Juizados Especiais): “Para efeito de alçada, em sede de Juizados Especiais, tornar-se-á como base o salário mínimo nacional”.

[4]SALVADOR, Antônio Raphael Silva. Op. cit., p. 53.

[5] Art. 23 da Lei 9.099/95

[6] SALVADOR, Antônio Raphael Silva. Idem.

[7] CHIMENTI, Ricardo Cunha. Op. Cit., p.115.

[8] CHIMENTI, Ricardo Cunha. Op. cit., pp.111-113

[9] SALVADOR, Antônio Raphael Silva. Op. Cit., p. 57.

[10] Confirma a previsão do CPC, do livre convencimento motivado, previsto no art. 131.

[11] CHIMENTI, Ricardo Cunha. Op. cit., p.68;

[12] Idem.

[13] BATISTA, Weber Martins, FUX, Luiz. Juizados Especiais Cíveis e Criminais e Suspensão Condicional do Processo Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 118.

[14] Art. 9º §2º da Lei 9.099/95

[15] Art. 20 da Lei 9.099/95

[16] Art.21 da Lei 9.099/95

[17] CAVALCANTE, Mantovani Colares. Recursos nos Juizados Especiais. 2ª ed. São Paulo: Dialética, 2007. p.18.

[18] SALVADOR, Antônio Raphael Silva.  Op. cit., pp.65-67.

[19] Ibidem, p. 66. Grifo nosso.

 

[21] FUX, Luiz. Op.cit., p.253.

[22] Quanto a este ponto específico é interessante o comentário de Chimenti: “[…] a lei especial indica que o CPC pode ser aplicado subsidiariamente, no que couber. A expressão condicional no que couber garante aos julgadores ampla discricionariedade quanto à aplicação ou não das regras do CPC no caso concreto, mantendo assim a ampla liberdade já prevista no art. 5º da lei especial.” CHIMENTI, Ricardo Cunha. Op. cit., p. 247.

[23] Para Chimenti, isso equivaleria a grande maioria de bens alienados, visto a limitação do valor.

[24] Art. 52 inciso VI da Lei 9.099/95

[25] FUX, Luiz. Op. cit., p.255.

[26] Idem.

[27] Personagem importante no contexto estudado devido sua importância na implementação dos Juizados Especiais do Distrito Federal e sua extensa produção literária sobre o tema.